10 novembro, 2005

Afinal, era azul ou não?

Era uma linda tarde de novembro. Eu e mais dois amigos combinamos de fazer o desjejum num restaurante do Shopping. Porém, eu precisava passar na lavanderia primeiro. Eu moro na moradia da Universidade que fica numa avenida que durante o dia é extremamente tranqüila. Subindo um pouco a avenida, têm uns bares, uma lavanderia, uma oficina mecânica e só, além de alguns edifícios e casas. A lavanderia fica ao lado do bar da esquina, e o bar da esquina é ao lado da moradia, dividido apenas por uma rua vicinal.
Parei o carro na esquina, como sempre costumo fazer quando tenho que ir na lavanderia antes de ir a outro lugar. No outro lado da avenida tinha uma delegacia móvel (daquelas que ficam em dia de jogo no Mineirão). Eles estavam ali fazia o dia inteiro, e deviam estar extremamente entediados. Tão entediados, que resolveram conferir a placa do carro que havia acabado de parar na esquina. E perceberam que a cor do carro não batia tão bem quanto estava na descrição. No papel estava escrito azul, quando na verdade era um azul meio fosco, e para os olhos dos policiais era prata. Assim que se percebeu a discrepância, iniciou-se rapidamente uma tática militar de interceptação e possível aniquilação dos alvos.
Enquanto isso eu já me encontrava na lavanderia, e no carro meus dois amigos conversavam sobre a atuação da polícia, que às vezes abusava de seu poder. E um dos meus amigos chegou a defendê-los com este argumento: “A maioria dos policiais são trabalhadores e honestos, e são somente alguns poucos que estragam”. Ao acabar esta frase teve-se inicio a interceptação policial.
Os policiais haviam sido treinados não havia nem três meses nos Estados Unidos em táticas anti-terroristas, e nada melhor que agora para colocarem o treinamento em prática. Ainda mais que se tinha dois meliantes dentro do carro altamente perigosos (sendo que um vestia a camisa do Atlético). Inicialmente um policial tomou a posição atrás de uma árvore, enquanto que outros dois foram para trás do muro da esquina (o carro estava estacionado na esquina, não se esqueçam, e o muro da esquina impedia a visão para além do alcance).
Após realizada toda a preparação, os policiais inciaram o ataque. Um dos policiais que estava atrás do muro iniciou a abordagem, enquanto que os outros davam a cobertura. O medo e a preocupação no rosto do policial que realizava a abordagem era visível. Ele se aproximava do carro lentamente, e atentava para cada gesto dos meninos, apontando sempre o revolver para a cabeça chata e imensa do cearense que estava no banco da frente, e gritando voz de comando para que saíssem do carro.
Prontamente o cearense obedeceu, mas o meliante que estava no banco de trás permaneceu dentro do carro. Isso claramente indicava uma possível preparação de contra-ataque, e os policiais começaram a ficar nervosos com essa demora, porém o cearense pediu que os policiais se acalmassem pois o banco era difícil para conseguir levantar. Uma vez cessado o primeiro encontro potencialmente perigoso, iniciou-se a revista. Os meliantes encostados no carro, foram revistados de cabo a rabo, literalmente. Sorte minha ainda não estar presente nos fatos decorridos.
Enquanto toda essa ação digna de um filme a lá Schwarzenegger ocorria, eu estava tranqüilamente entregando minhas roupas na lavanderia, e marcando o dia da entrega das mesmas. Roupas limpas e cheirosas, valem cada centavo, principalmente se não é eu quem lavo.
Já estava em processo de pagamento dos serviços quando me aparece o cabeça chata do cearense, extremamente nervoso e assustado, me dizendo que os policiais queriam os documentos do carro. Mal sabia eu de toda a ação adrenalizante que ocorrera antes. Calmamente me dirigi aos policiais, e pergunto o que eles queriam, enquanto atentamente observo ao meu redor os acontecimentos. Além é claro dos três policiais que já se encontravam no local, estavam a se dirigir mais uns cinco policiais como reforço (lembre-se, a delegacia é do lado, e creio que todos foram ver o showzinho). Mas a verdade crua e nua é que ficaram com medo de minha presença. Com certeza já viram muitos filmes de ação, e sabem como que é possível que apenas eu possa subjugar três policiais armados. Agora que tinha 8 policiais, as chances caiam para 50%, antes que eu pudesse levar um tiro, e 80% antes de levar três tiros no peito e permanecer respirando.
O policial baixinho, que visivelmente estava mais nervoso, começa falar, ao mesmo tempo em que destrava a arma do seu coldre: “Documentos do carro e de motorista, por favor”. Bom, pelo menos ele era educado. Sentei calmamente no banco, e comecei a procurar através do tato os documentos do carro que estavam no porta-luvas. Estava tão concentrado no momento, que nem me preocupei com o fato de os policiais poderem pensar que eu estava procurando uma arma, e que eu pudesse aparecer na manchete do jornal da alterosa ou no cidade alerta.
Entreguei os documentos ao policial, e fui ao porta-malas colocar a bolsa que eu havia usado para fazer o delivery das roupas. Um policial me escoltou até o porta-malas, e observou atentamente meus passos, enquanto realizava tal ato.
Logo após, começou a conversa dos policiais. Uma conversa quase de cunho filosófico, onde iniciamos um debate para saber se a cor do carro era azul, como estava na sua documentação, ou prata como afirmavam os policiais. Argumentei que era a primeira vez que tinham perguntado da cor. Contra argumentaram dizendo que sempre há uma primeira vez. A conversa aprofundou-se de tal maneira que quase estávamos a discutir se era realmente possível saber a verdadeira cor do carro. Se se dependia dos olhos do sujeito Detran ao marcar na documentação, no sujeito dono do carro que queria evitar uma multa, ou o sujeito policial que pretendia com seu olhar puxar uma graninha pro seu lado.
Após exaustivas discussões, sem contudo alcançar o patamar da verdade, decidimos que era preciso fazer algo pragmático: repintar o carro e remarcar a documentação. Utilizando assim métodos cientificamente comprovados de acepção de cores, poderíamos deixar o campo filosófico da gnosiologia ou a possibilidade do conhecimento para adentrarmos no conhecimento adquirido e convencionado por todos.
Eu escapei bem pouco de ter sido achacado pelos policiais. Sentia que meu dinheiro escorria de meus dedos quando o policial aferiu estas palavras: “Nós não queríamos criar nenhum problema, mas apenas estávamos fazendo nosso trabalho..”. Porém o momento áureo foi a frase:” Se seus amigos tivessem agido de uma maneira um pouco mais brusca, seu carro estaria todo perfurado de balas.” Ao que respondo com um simples levantar de sobrancelhas, como se dissesse: “ Nossa, você é valente mesmo, principalmente contra dois garotos desarmados”. Ainda bem que ninguém lê os pensamentos dos outros.
De qualquer maneira, queriam que eu pintasse meu carro de azul (uma cor muito feia, diga-se de passagem), mas eu finquei o pé no prata. Quando estávamos nos despedindo, observamos a cara de alguns policiais, que estavam até meio embaraçados com a situação. E depois fomos almoçar.